Este tipo de comportamento pode ser
causado por condições específicas, tais como perturbações do
comportamento ou o síndrome de Cornelia de Lange, uma doença genética
rara que retarda o desenvolvimento físico e provoca graves dificuldades
de aprendizagem. Pode também surgir como ‘sinal de alarme’ quando os
jovens são alvo de grandes pressões ou perturbações, por exemplo, quando
são brutalizados ou violentados.
É automutilação todo comportamento em
que ferimentos são infligidos em si mesmo. Pode assumir muitas formas,
incluindo excesso de comprimidos ou drogas, queimaduras, saltos de
grandes alturas, choque de veículos ou cortes no corpo. É algo que chama
a atenção. E geralmente espantoso quando os ferimentos possuem
gravidade.
Se pensarmos na automutilação como
parte de um repertório autodestrutivo, não é difícil de compreendê-la: é
simplesmente agressividade autodirigida, transmutada em ato de punição
fisíca. Contudo, se pensarmos na automutilação como um acometimento
necessário para se apaziguar um tormento psíquico, aí fica mais difícil
de se compreender, porém não impossível.
O sujeito, em situação penosa de
extrema angústia, se mutila. E, após a automutilação, obtém um certo
alívio da angústia que o afligia. Devemos considerar as diferenças entre
as dores da alma e as dores do corpo. Parece haver sempre em nosso
organismo a necessidade de uma justificativa concreta e material para
nossos sofrimentos.
Como se já não bastassem os
sofrimentos concretos, tudo o que padece nosso corpo, ainda padecemos de
abstrações, de conjecturas. Como se não bastasse o sofrimento presente,
ainda nos angustiamos com o que está longe e ausente, seja passado,
futuro, ou toda e qualquer forma de preocupação e ansiedade.
Freud, em "O mal-estar na civilização
(1930)", salienta que o sofrimento pode nos abordar das mais diversas
direções. E que o sofrimento proveniente da relação com os outros é
ainda sentido como mais penoso, pois é interpretado como um acréscimo,
um suplemento gratuito a nossos dramas de existência. Das relações com o
próximo padecem seres das mais variadas espécies. O maior problema do
ser humano é sua relação com o que não é presente. E é isto, contudo, o
que nos torna humanos.
A auto-mutilação, para quem padece dela, produz uma compensação física para o sofrimento impalpável e cego da alma.
Para a psiquiatra Vera Zimmermann,
esse comportamento se aproxima da patologia: "Eles não encaram a pele
como invólucro do corpo, como proteção. Na hora do exacerbamento da
angústia, não há limites e eles só conseguem extravasar em si mesmos. A
dor física expressa a dor emocional."
A psiquiatra explica que este
comportamento é suicida, embora morrer não seja o objetivo final: "Essas
pessoas têm a autoestima extremamente baixa. O que elas fazem é um
micro-suicídio. Elas acham que merecem o sofrimento, não a morte".
Raramente o exibicionismo está ligado
ao "cutting". Muitos pais só descobrem que os filhos se cortam anos
depois. Eles fazem isso na intimidade do quarto ou no banheiro e
escolhem partes do corpo que podem ser escondidas, como pernas e
barriga. Nos braços e pulsos, eles usam a mangas compridas para esconder
as cicatrizes.
A psiquiatra Vera Zimmerman diz que as
inscrições no corpo são elementos de identificação em um grupo,
chegando até a perder o limite entre a estética e o sofrimento. Um
exemplo de como isto é quando o indivíduo leva até as últimas
consequências (scarification), uma cicatriz parecida com tatuagem, mas
feita com bisturi. Outra prática um tanto dolorosa é o "branding", que
marca a pele com ferro quente, da mesma forma que é feito com gado. A
média de preços é a mesma das tatuagens tradicionais e varia de acordo
com o tamanho.
Segundo a Dra. Vera, quem recorre à
automutilação é porque não encontrou escapes saudáveis para a angústia:
"Isso revela uma fragilidade na construção da personalidade e é um
hábito muito difícil de abandonar. Se a pessoa consegue se aliviar das
cobranças assim, ela vai repetir toda vez que se sentir pressionada".
"No tratamento, às vezes é necessária a
prescrição de ansiolíticos, mas o principal é a terapia para descobrir a
causa do problema", esclarece a terapeuta.
Não há dados estatísticos se quem sofre mais com a automutilação são os rapazes ou as raparigas, mas uma coisa é certa: as maiores vítimas são os adolescentes. A médica explica que as pessoas que têm crise de angústia na vida adulta a expressam de outra forma, como em compulsões alimentares ou até mesmo o suicídio.
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